A História da Engenharia de Custos no Brasil e seu Importante Papel no Ciclo de Vida dos Contratos de Construção – Uma Visão Resumida

 

Não se sabe ao certo quando surgiu o conceito “Engenharia de Custos” no Brasil, tão amplamente divulgado nos dias atuais.

De acordo com pesquisas efetuadas[1], estudos apontam que, em 1792, foi fundada a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, por ordem de Dona Maria I, que adiante se tornaria o tradicional Instituto Militar de Engenharia-IME, sediado naquela época na cidade do Rio de Janeiro.

Tratava-se, então, da primeira escola de engenharia das Américas e terceira do mundo, sendo instalada na Casa do Trem de Artilharia, na Ponta do Calabouço, onde atualmente funciona o Museu Histórico Nacional.

Essa escola tinha por objetivo, formar oficiais de armas e engenheiros para o Brasil-Colônia. Os cursos tinham durações variadas, sendo o de três anos voltado para a Infantaria e Cavalaria, cinco anos para a Artilharia e o de seis anos para a formação em Engenharia.

No último ano do curso de Engenharia eram lecionadas as cadeiras de Arquitetura Civil, Materiais de Construção, Caminhos e Calçadas, Hidráulica, Pontes, Canais, Diques e Comportas, incluindo o estudo de “corte das pedras e madeiras, orçamento de edifícios e conhecimento dos materiais que entravam na sua composição”.

Somente em 1874, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, já com o nome alterado para “Escola Central” desligou-se das finalidades militares, indo para a jurisdição da antiga Secretaria do Império e passando a formar exclusivamente engenheiros civis, os quais, como foi mencionado acima, estudavam sobre orçamento e conhecimento dos materiais.

Muito embora não se tenha encontrado evidências nesse sentido, é possível depreender que, pelo fato de a grade curricular da Escola Central conter, no curso de Engenharia Civil, os estudos citados acima, a origem da Engenharia de Custos no Brasil tenha se iniciado a partir do advento acima, vindo daí também o vínculo a essa área das engenharias.

Cabe ressaltar, no entanto, que, fora do Brasil, bem antes desse tempo, os “predecessores dos atuais engenheiros civis foram os arquitetos, construtores e mestre de obras, que durante toda a Idade Média e parte da Moderna, trabalhando independentemente, ou nas corporações de ofício que faziam parte, realizavam o trabalho da engenharia urbana, construindo casas, igrejas, torres, canais, etc.”, como menciona o Engenheiro Civil, MSc. Djalma Pinto Pessoa Neto em seu artigo intitulado “A Importância Histórica dos Orçamentos e Custos das Construções no Brasil”[2].

Assim, é possível afirmar que já àquela época esses profissionais lidavam com a estimativa de materiais e recursos necessários à viabilização das construções, assuntos compreendidos na Engenharia de Custos até os dias atuais.

Com o avançar do tempo, tornou-se crescente a necessidade de se estabelecer critérios e práticas voltadas à Engenharia de Custos, com vistas à padronização das informações e à inserção de técnicas voltadas à obtenção de resultados mais consistentes na gestão de custos dos projetos, gerando, com isso, a criação de diversos fóruns e grupos de estudo no mundo todo.

Tem-se então, que, em 1956, durante a reunião organizacional da Associação Americana de Engenharia de Custos na Universidade de New Hampshire em Durham, EUA, foi fundada a AACE International, considerada a instituição disseminadora de conhecimento e de boas práticas de maior representatividade junto à comunidade de Engenharia de Custos, atualmente contando com mais de nove mil membros e atuante em mais de 100 países.

Conforme se extrai da matéria especializada[3],  a AACE “é reconhecida mundialmente por ter compilado boas práticas de mercado em suas conceituadas Recommended Practices (RPs), muito utilizadas na gestão de projetos de Engenharia, nas atividades de consultoria técnica e adotado nas cortes judiciais norte-americanas. (…)

Outra importante contribuição da AACE para a Engenharia de Custos, foi o desenvolvimento da metodologia Total Cost Management (TCM), que consiste em uma abordagem sistêmica desenvolvida com ênfase no gerenciamento de custos durante o ciclo de vida de um empreendimento. (…)

Além disso, a AACE é reconhecida pelas certificações que confere, como a Certified Cost Professional (CCP) e a Planning & Scheduling Professional (PSP), que elevam o conceito, a empregabilidade e o patamar salarial de quem as detém, pois comprovam que os profissionais alcançaram o maior padrão de conhecimento disponível”.

Não se pode deixar de mencionar ainda, o vasto acervo de livros e artigos técnicos publicados pela AACE.

Em 2012 foi criada uma seção da AACE International no Brasil, a qual passou a se chamar “Associação para o Desenvolvimento da Engenharia de Custos” ou simplesmente, AACE Seção Brasil, cujo aumento do número de membros vem ocorrendo de forma exponencial.

Aqui no Brasil, a qualidade das Recommended Practices (RPs), ou Práticas Recomendadas da AACE, é reconhecida pelas autoridades governamentais, notadamente, pelo Tribunal de Contas da União – TCU, como se pode evidenciar, por exemplo, no Roteiro de Auditoria de Obras Públicas, produzido pelo SEGECEX / SECOB-1 em 2012, que cita como referências, as RPs Nº 11R-88 – Required Skills and Knowledge of Cost Engineering, Nº 17R-97 – Cost Estimate Classification System e Nº 18R-97 – Cost Estimate Classification System – as Applied in Engineering, Procurement, and Construction for the Process Industries.

Convém mencionar, que “Engenharia de Custos” não se trata de uma graduação pertencente ao “conjunto das engenharias”. Alguns autores consideram a Engenharia de Custos como uma metodologia, outros como uma prática e há ainda quem a considere um complemento da Engenharia Civil.

Importante frisar, que, se em sua origem, a Engenharia de Custos dedicava-se apenas às estimativas e orçamentos, a partir das constantes inserções de novas soluções, materiais e metodologias construtivas e da agilidade demandada pelo crescente desenvolvimento tecnológico, tornou-se necessário abarcar novas funcionalidades e aprofundar o profissionalismo desse segmento.

Com isso, atualmente, a Engenharia de Custos pode ser assim definida por uma atividade que abrange estudos de viabilidade, orçamento, planejamento e controle de obras, assim como análises de riscos e administração contratual em empreendimentos de engenharia e construção, portanto, compreende todo o ciclo de vida dos contratos de construção, por meio da atuação em diversas fases, como adiante, a grosso modo, se expõe:

 

A. Fase Pré Contratual

I. Estudos de Viabilidade

Os profissionais de Engenharia de Custos atuam nessa fase, praticamente em dois tipos de estudos, a saber:

 

  • Viabilidade financeira[4]

A viabilidade financeira define se o projeto é ou não viável economicamente. O relatório de viabilidade financeira inclui uma análise de custo-benefício do projeto, além de prever o retorno sobre o investimento esperado e indicar qualquer risco financeiro. O objetivo ao final do estudo é entender os benefícios econômicos que serão gerados pelo projeto.

 

  • Viabilidade de mercado

O estudo de viabilidade de mercado avalia o que a equipe espera quanto ao desempenho das entregas do projeto no mercado. Esta parte do relatório inclui uma análise de mercado, detalhamento dos concorrentes e projeções de vendas.

 

II. Orçamento para licitações

Essa fase compreende, em síntese, a análise das informações fornecidas na licitação, tais como projetos, planilhas de preços e quantidades referenciais, especificações técnicas, vendor list, composições de custos, dentre outras, e a conversão dessa análise em custos que deverão compor a proposta comercial, tais como custos e despesas diretos, indiretos, encargos sociais e tributos.

Também considera, nessa fase, outros itens, necessários para compor o orçamento, como análises de cronogramas e histogramas, análise de riscos, custos e despesas indiretas, estudo de viabilidade, etc.

 

III. Propostas Técnicas e Comerciais

A Engenharia de Custos é base fundamental para a preparação das propostas técnicas comerciais, uma vez que, nessa fase pré licitatória, desenvolve uma série de análises e estudos de viabilização técnica, econômica e financeira que irão nortear as condições e critérios de gestão do contrato voltados à manutenção dos custos previstos, dos prazos fixados e das qualidade e segurança empresarial requeridos.

 

 

B. Fase Contratual

Essa fase compreende a gestão dos custos propriamente dita. Além disso, a gestão dos custos deve estar associada ao controle dos prazos de execução, plano de suprimentos e administração contratual.

Observe-se que a Engenharia de Custos se subdivide nessa fase em diversas áreas, todas inter-relacionadas, que têm por objetivo, atingir as metas estabelecidas para o resultado do negócio, assim como, para a segurança empresarial.

Na área inerente à gestão dos custos, deve-se implementar processos de monitoramento e controle que têm por objetivo, garantir que o projeto seja entregue dentro do orçamento aprovado.

Esses processos devem observar de forma conjunta, o planejamento da obra, assim como os riscos associados às mudanças e impactos que podem acarretar atrasos no fornecimento de itens e/ou no cumprimento de marcos e prazos contratuais que porventura demandem o emprego de mais recursos e, consequentemente, exigir adequadas providências visando manter as condições orçadas originariamente.

Nesse sentido, a Administração Contratual, outra atividade inserida na Engenharia de Custos, atua fortemente, quer seja na preparação, controle e monitoramento dos registros, como também, na prevenção e/ou eliminação de riscos negativos que possam afetar o resultado do contrato ou até mesmo, a saúde econômico-financeira das empresas. Sempre atuando na melhoria contínua dos processos atrelados a custos, como planejamento, riscos, recursos, qualidade, segurança, meio ambiente, partes interessadas, dentre outras, por meio de análises críticas e adequações dos documentos gerados por essas áreas, a Administração Contratual tem atuação importante também, na correção de desvios decorrentes de mudanças implementadas no curso dos contratos, por meio da elaboração de reivindicações que visem a retomada do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

 

 

C. Resolução de conflitos

Em sede de resolução de conflitos, a Engenharia de Custos pode atuar por meio da apresentação de registros que confiram rastreabilidade ao pleito objeto do conflito, tais como, porém, não se limitando a apresentação de memórias de cálculo, análises de impactos no cronograma, orçamentos executivos, relatórios de análises de riscos, dentre outros documentos necessários à completa elucidação do caso e/ou à promulgação da sentença arbitral ou judicial.

Em resumo, a Engenharia de Custos é responsável por planejar, executar, controlar, monitorar e elaborar uma série de processos e procedimentos voltados à manutenção dos custos orçados para os contratos durante toda a sua vigência. Além disso, possui importante atuação como suporte à resolução de conflitos, por meio da apresentação de informações rastreáveis desde a fase de licitação.

Cada vez mais se verifica a importância e o crescimento exponencial dessa área, os quais se evidenciam por meio do aumento na procura por novas tecnologias, conhecimento, participações em eventos especializados, certificações e cursos de pós-graduação em Engenharia de Custos.

Por tudo quanto foi exposto acima, conclui-se que a Engenharia de Custos não é aplicável somente às estimativas e orçamentos, como também, atua durante todo o ciclo de vida dos contratos.

Em absoluto reconhecimento ao papel relevante da Engenharia de Custos e dos profissionais que nela atuam, o Governo Federal decretou, por meio da Lei Federal nº 13.453:2017, o dia 27 de maio como sendo o Dia Nacional do Engenheiro de Custos, motivo de muito orgulho para quem atua nessa área.

 

Ilma Trindade Ambrosio Garcia
Presidente da Associação para o Desenvolvimento da Engenharia de Custos – AACE Seção Brasil
Sócia Fundadora da ITAG Condultoria Empresarial
Professora Licenciada pelo DRBF para Mercados Emergentes
Praticante de Dispute Board
Perita em Arbitragens e Processos Judiciais
Membro do Grupo de Estudos Perícias de Engenharia em Processos Arbitrais do CBAr

 

 

[1] http://www.ime.eb.mil.br/historia.html#:~:text=A%20hist%C3%B3ria%20do%20IME%20remonta,de%20Artilharia%2C%20Fortifica%C3%A7%C3%A3o%20e%20Desenho.

 

[2] http://www.forumdaconstrucao.com.br/conteudo.php?a=12&Cod=673

 

[3] http://www.brasilengenharia.com/portal/eventos/10917-aace-brasil-por-uma-maior-profissionalizacao-do-mercado-de-construcao-com-boas-praticas-internacionais

 

[4] Fonte: https://asana.com/pt/resources/feasibility-study